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1 setembro 25 Lisboa e Vale do Tejo

Opinião | “... à espera do comboio na paragem do autocarro!”

Não deveria o Código de Contratos Públicos ser catalisador para o desenvolvimento e inovação, o motor da contratação pública? Em demasiados casos, o CCP anda desencontrado com a realidade.

Em artigo de opinião no jornal “Observador”, o presidente da OA-SRLVT escreve sobre os problemas de eficiência do Código dos Contratos Públicos (CCP) e sobre as questões que afastaram o diploma dos objetivos esperados aquando da sua publicação em 2008.

Pedro Novo assinala a descoordenação e afastamento da realidade das sucessivas alterações à legislação, configurando insegurança jurídica, opacidade e complexidade técnica à aplicação da lei.

 

"O Código dos Contratos Públicos (CCP), apesar de ter sido criado com o propósito legítimo de garantir mais transparência, concorrência e eficiência na contratação pública, é hoje a receita para um verdadeiro desastre no sistema, uma ode à paralisia administrativa. O CCP é a antítese do que pretendemos e desejamos que seja o bom funcionamento da administração pública e a qualidade do ambiente construído. Um código que já não serve nada nem ninguém, caminhando a passos largos para uma cada vez mais evidente obsolescência, longe dos seus objectivos fundadores de 2008.

As malogradas e sucessivas alterações ao diploma na sua maioria descoordenadas, resultaram num extenso documento com 476 artigos, onde abundam as contradições sistemáticas e o total desapego à realidade. Sem dúvida, um diploma hermético, estático, e revestido de opacidade perante a complexidade técnica da sua implementação. Regras que deveriam ser um guia para a transparência, são agora um obstáculo à prossecução do interesse público. A complexidade e ambiguidades do diploma geram sobretudo insegurança jurídica nas entidades adjudicantes, que, temendo erros ou impugnações, optam por respostas administrativas prudentes num exercício contrário aos princípios fundadores.

A opção comumente escolhida, num procedimento de contratação pública por parte de uma qualquer entidade contratante é baseada na maioria das vezes, numa lógica de gestão de risco, descorando os fundamentos que deveriam nortear a promoção da qualidade como objetivo último. Na prática, os concursos de concepção, onde se insere, de modo particular a Arquitectura, são cada vez mais marcados por ajustes directos, consultas prévias/limitadas ou concursos concepção/construção que nada abonam na defesa do interesse público, da arquitetura, e sobretudo do território e do ambiente construído.

Os concursos de concepção legalmente previstos e mais adequados para selecionar os projetos que melhor defendem o interesse da sociedade e do país, com base no mérito das propostas, são hoje uma exceção, quando deveriam ser a norma. Muitos municípios e outras instituições públicas, evitam-nos deliberadamente, alegando frequentemente a enorme complexidade de execução, custos adicionais no processo ou falta de capacitação técnica. Critérios sem qualquer respaldo na realidade e por isso mais errados não poderiam estar os Municípios deste país quando optam pela via do «arrepiar caminho», que resulta amiudadas vezes, de tentativas de fuga à responsabilidade.

A experiência mostra-nos que este modelo de concurso e contratação é em definitivo, muito mais oneroso para os contribuintes e para o superior interesse público, porquanto, condicionam a independência técnica de arquitectos e engenheiros, que se vêm assim subjugados e maniatados por interesses que raramente coincidem com o interesse público.

A esmagadora maioria dos concursos de concepção, com assessoria técnica da Ordem dos Arquitectos (OA), tem revelado resultados de excelência, quando o procedimento é bem instruído, com critérios claros e júris competentes, beneficiando por esta via a arquitetura, as instituições públicas e o território, ficando assim o interesse coletivo salvaguardado. Disso é exemplo, o Concurso Internacional de Concepção com prévia qualificação para a Reabilitação do Estádio Nacional, assessoria da OA e promovido pela Federação Portuguesa de Futebol, com objectivo de modernizar o espaço desportivo e espaços envolventes, possibilitando a prática e a utilização pelo Instituto Português do Desposto e Juventude e pelas Federação Portuguesa de Atletismo, de Futebol e Rugby, designadamente, em eventos desportivos nacionais e internacionais.

Os excelentes resultados demonstraram que, não obstante a complexidade, temos capacidade técnica instalada nos nossos gabinetes de arquitectura e engenharia, para resolver em tempo útil os desafios que são colocados aos projectistas. Ficou ainda demonstrada a pertinência e a necessidade dos procedimentos de concursos de concepção em detrimento dos concursos de concepção/construção, para atrair equipas altamente qualificadas com soluções exequíveis e inovadoras, nos prazos definidos, compatibilizando o respeito pelo património existente com a necessária visão estratégica para o futuro programa de usos desta marcante infraestrutura desportiva. Um procedimento administrativo que evidenciou a grande mais-valia do concurso de concepção enquanto ferramenta essencial para elevar a qualidade da Arquitectura Pública em Portugal.

Mas dificuldades não se esgotam apenas nos procedimentos de contratação. O Código dos Contratos Públicos impõe plataformas eletrónicas, de utilização pouco intuitiva e sem apoio funcional adequado, que exigem dos técnicos da administração local um domínio técnico e jurídico desproporcional face aos recursos disponíveis. Os prazos são frequentemente incompatíveis com a natureza complexa, criativa e reflexiva do trabalho de projeto. Os critérios de adjudicação são muitas vezes mal definidos, com ponderações que privilegiam por regra, o preço, em detrimento da qualidade.

Este modelo, desvaloriza a dimensão técnica, inovadora e social dos projetos, colocando a tónica na vertente formal e administrativa do processo, e tem um impacto direto na qualidade da Arquitectura promovida pelas Entidades Públicas. As consequências estão à vista de todos, projetos mal concebidos, procedimentos impugnados ou anulados, concursos desertos, descrédito generalizado e desmotivação crescente entre os profissionais do setor da construção. Não se trata de um problema técnico, mas sim de um problema político que precisa de resolução.

Não deveria o CCP ser catalisador para o desenvolvimento e inovação, o motor da contratação pública? Em demasiados casos, o CCP anda desencontrado com a realidade, aparentando muitas das vezes, estar «à espera do comboio na paragem do autocarro».

Com base em princípios pragmáticos e operativos, deveríamos normalizar a generalização dos concursos de concepção para projectos públicos, como via preferencial e transparente para a seleção de propostas, com simplificação dos procedimentos, através da revisão das obrigações e clarificação dos modelos e melhoria das plataformas eletrónicas. Normalizar ainda o reforço da capacitação técnica e jurídica e uma efectiva responsabilização dos decisores, com mecanismos de apoio e proteção institucional, que promovam decisões fundadas no interesse público.

O Código dos Contratos Públicos não é apenas uma peça legislativa, é sim, um reflexo da visão e qualidade da ação pública. E, neste momento, a visão e ação publica francamente está comprometida.

Mais revisões não!... em matéria de CCP, é preciso começar tudo de novo."

Fonte: Jornal "Observador"

 

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