17 outubro 23 Toda a OA
Cláudia Costa Santos — Discurso da Tomada de Posse
Claudia Costa Santos. Presidente da Mesa da Assembleia Geral 23-26
Discurso da Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Arq.ª Cláudia Costa Santos
Tomada de Posse dos órgãos nacionais da Ordem dos Arquitectos, para o triénio de 2023 - 2026
"Senhores Membros do Governo:
Sr. Ministro da Administração Interna, Dr. José Luís Carneiro,
Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, Dr. Carlos Miguel
Cumprimento todas as altas individualidades aqui presentes, já enunciadas protocolarmente e por isso, vou dispensar de as voltar a enunciar, sob pena de me alongar demasiado no discurso.
A presença de cada um de vós, sem distinção, honra e dignifica a Ordem dos Arquitectos com o vosso testemunho público.
Muitíssimo obrigada.
Começo por cumprimentar o recém-empossado Presidente do Conselho Directivo Nacional (CDN) da Ordem dos Arquitectos, o Arquitecto Avelino Oliveira.
Cumprimento os Presidentes dos anteriores CDN's da Ordem dos Arquitectos.
Cumprimento todos os meus colegas dos órgãos cessantes - todos aqueles que hoje tomaram posse e todos aqueles que ainda tomarão posse, nas respectivas secções regionais.
Digníssimos convidados e digníssimas convidadas
Minhas caras e meus Caros colegas
O recém-empossado Presidente do CD da Ordem dos Arquitectos, o Arquiteto Avelino Oliveira, honrou-me com o convite para integrar a lista candidata aos órgãos da ordem e que, a partir de hoje e pelo período de 3 anos, presidirei, à Mesa da Assembleia Geral.
Aceitei sem hesitações, porque considero que a Ordem dos Arquitectos é muito mais que uma associação pública profissional: é uma associação na vida da instituição "Democracia" portuguesa.
E porque me pareceu uma excelente oportunidade para retomar e incitar ao desenvolvimento de algumas das ideias que num passado recente (iniciado há cerca de 10 anos atrás e durante 2 mandatos, a norte), um grupo de arquitectos (que tive a honra de liderar) imprimiu uma nova visão estratégica para a instituição.
Com essa nova visão, norteou as atitudes e ações da Ordem dos Arquitectos para os direitos e necessidades dos Arquitectos como profissionais, para uma ação política junto dos vários poderes, mais activa e não apenas reactiva, e para uma consequente visibilidade da profissão na sociedade.
Julgo que esta visão é partilhada por todos aqueles que integraram a candidatura, de forma mais ou menos consciente, que é a firme convicção de que, para melhor defender o direito à Arquitectura e para que, a profissão de arquitecto melhor sirva as comunidades, absolutamente indispensável a afirmação e valorização dos profissionais arquitectos.
A história associativa demonstra-nos isso mesmo.
O estatuto da Ordem dos Arquitectos, um documento vinculativo do ponto de vista do direito, deve ser também entendido como carta de intenções e recomendação política, conducente com a actuação da Ordem na sociedade, porque a linguagem nunca é neutra ou ideologicamente vazia, mesmo que não nos apercebamos disso, revisito algumas palavras e expressões do seu preâmbulo e do âmbito do diploma, onde se consubstanciam os propósitos e os eixos principais que levaram à sua criação, em 1998 - faz este ano, precisamente 25 anos:«dignidade», «representação», «defesa e promoção da paisagem», «arquitecto na sociedade» «direito a arquitectura», «função social», «qualidade de vida», «interesse público», «ética» «deontologia», «valorização profissional»....
A propósito destes conceitos, o uso continuo e mecanizado de algumas destas palavras e expressões retirou-lhes força, ou seja, subtraiu-se-lhes a sua capacidade efectiva de significação. Todas elas nos são familiares, todas elas entraram no vocabulário corrente da ação política, dos vários discursos, dos milhares de textos diariamente publicados nas redes sociais, até do marketing publicitário. Contudo, parece-me que funcionam como os artefactos que guardamos e só nos apercebemos da falta que nos fazem quando se estragam ou desaparecem.
Estas palavras escritas há 25 anos, são os propósitos da realidade que nos rodeia actualmente.
A História mostra que tensões como o reconhecimento público traduzido pela realidade política, a concorrência desleal crescente, a precariedade laboral, a desumanização do trabalho (enquanto reacção a uma acção de economia de mercado desregulada, reduzindo a condição humana e social às relações de transação e a actividade de arquitetura enquanto forma de produção de um bem consumível totalmente divorciado da sua função social), a arrogância da burocracia e da tecnocracia no poder, o elitismo celtural, persistiram e persistem até aos nossos
Esses traços são problemas de ordem cultural, profissional e cívica, com as quais nos interpelamos ainda hoje, mais de duas décadas após a sua criação.
Não admira que haja um alheamento por grande parte dos arquitectos, relativamente à sua ordem profissional.
Ora, se os arquitectos não participam ou participam pouco na vida democrática da instituição, então existe uma falha grave no nosso projecto colectivo.
Creio assim que, é obrigação de todos nós, agora responsáveis pela gestão desta instituição, fazer o diagnóstico desta anomalia e actuar com determinação para inverter a situação.
É de facto, com elevado sentido de responsabilidade que hoje, assumo as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ordem dos Arquitectos, órgão de natureza deliberativa, com competências gerais sobre a Ordem dos Arquitetos, competências essas que reconduzem ao exercício de funções em matéria eleitoral e consultiva.
Nesse âmbito, e no já anteriormente discutido com o Sr. Presidente do CDN, a Assembleia Geral, conjuntamente com o CD, irá assumir-se como um laboratório privilegiado da experimentação social e política, para promoção da participação dos arquitectos nos assuntos mais prementes para a instituição, para a profissão, para a sociedade, de forma a que não se perca a ligação com quem representamos.
Um espaço para um exercício do poder mais colectivo, menos discricionário e mais inspirado no sentir da comunidade de arquitectos (a comunidade a que se dirige e sobre a qual produz efeitos).
É minha opinião que o estado da democracia, seja num país ou numa instituição desse país, não é o cenário de um enredo a que se assiste e sobre o qual se opina: todos nós somos corresponsáveis pela democracia em que vivemos e, consequentemente, toda a comunidade é corresponsável pelo presidente que tem e pelo desempenho para o qual o empurra.
A arquitectura, sendo a nossa actividade profissional, o ganha pão de todos os arquitectos, não é uma actividade essencialmente mercantil e não pode ser entendida como tal, sob pena de se perder a sua caracterização e deontologia profissional.
Eu não vou entrar naturalmente, no discurso que possivelmente poderá ser o do Sr. Presidente do CD, mas não deixo de assinalar que se tem vindo a assistir a um crescente desprestígio da classe profissional dos arquitectos.
Parte desse desprestigio é proveniente de ataques de toda a sorte, de entidades de toda a espécie, que revelam - para ser simpática, como aqui me cabe ser - no mínimo uma incompreensão acerca do que é a função do arquitecto, do papel que o arquitecto assume no sistema da organização do território em geral e na vida das pessoas em particular, e todas as responsabilidades que este assume quando exerce as suas funções.
O arquitecto, para além de toda a sua exigente preparação, de todo o conhecimento que detém, no modo como domina a matéria, como ordena o espaço, como antecipa soluções, criando espaços ordenados de forma harmónica, organizados num sistema que enquadre a história, a técnica, a ética e a estética, onde os agentes sociais se posicionam e se movem.
O arquitecto tem a responsabilidade de garantir à sociedade, com o seu trabalho, que responde a princípios éticos, com integridade, com competência, concorrendo com os seus pares através da qualidade, para bem do interesse público.
E é essa garantia que é dada à sociedade, pela Ordem dos Arquitectos: a de que os arquitectos são quem tem as competências para a execução dos actos de arquitetura (próprios e partilhados) e que assumem formalmente a responsabilidade sobre esses actos.
Vivemos tempos muito adversos (também para a arquitectura), num país que tarda em não reconhecer o valor e o papel das instituições, das associações profissionais, confundindo a sua missão em favor de todos, com uma organização que protege direitos e concede privilégios.
Por conta de alterações legislativas, ao longo dos últimos anos, e das que estarão para vir, cerceiam-se os valores e princípios que são fundamentais e inerentes à profissão de arquitecto, sob o propósito da defesa do mercado, como se de um código ético se tratasse.
Sufocando-nos, obrigando-nos por uma questão de sobrevivência, a mercantilizar os nossos saberes, tornando difícil a manutenção de uma prestação profissional de qualidade do trabalho, com a possibilidade de cobrir economicamente os custos da responsabilidade e de outras obrigações profissionais.
Pedem-nos que produzamos rapidamente e a baixo custo, sobrevalorizando o "quanto custa" mesmo sendo impossível compará-lo com o "quanto vale".
A arquitetura deixa de ser medida em termos de benefício social, mas de mais-valia numa competição economicista, abrindo portas a uma concorrência cada vez mais desleal e a0 destratamento das dinâmicas territoriais, onde o debate cada vez mais se centra no programa sobre o espaço e menos no espaço enquanto expressão estética, conquistada a partir de uma consciência nítida e informada da miríade de actos inorgânicos que produz nos vários contextos sociais e naturais, determinados pelos diferentes modos de apropriação e uso.
É com este contexto que se acelera o processo de corrosão de uma profissão e de uma estrutura organizacional com caracter autorregulador em matéria deontológica Sr. Presidente do CD da Ordem dos Arquitectos, Arquitecto Avelino Oliveira:
Há, pelo menos duas características pessoais que lhe conheço que muito prezo, e que vão ser essenciais nos próximos tempos: trata-se, por um lado, da sua especial sensibilidade para o humano e, por outro, da sua capacidade de trabalhar em equipa.
E estou segura de que, num curto espaço de tempo, todos reconhecerão em si um dirigente exigente, mas próximo; um dirigente determinado, mas capaz de ouvir; um dirigente moderno, mas capaz de preservar o melhor do passado.
Sei também que tem uma equipa de excelência, e com a colaboração de todos, irá levar a bom porto a exigente missão que simbolicamente, (em nome de todos os arquitectos) aqui lhe confiei.
Até porque, estes movimentos (re)generadores exigem tempo e perseverança - e, porque não dizê-lo - coragem.
O tempo acelera, e a história parece começar de novo!
É esse o sentido primeiro deste serviço sem fim, enfrentar o problema do início."
Cláudia Costa Santos
Lisboa, 11 de Outubro de 2023
Escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.